blog.rogerioleal

Prioridade aos crimes hediondos: o processo penal simbólico

Prioridade aos crimes hediondos: o processo penal simbólico

Artigo_2

A lei que dispõe sobre crimes hediondos prestou-se a definir quais crimes teriam tratamentos, penais e processuais penais, mais severos. Arrolados estão no artigo 1°, incisos e parágrafo, lei 8.072/90. Até então inexistente no ordenamento jurídico, contudo já inserido na Carta Política, art. 5°, inciso XLIII, adveio do clamor social por mais segurança, uma vez que o país, à época, fora tomado por uma assustadora onda de violência.

A Constituição, assim, dispensa tratamento igualitário aos crimes equiparados aos hediondos, quais sejam, o crime de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, art. 2°.

Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento do Min. Gilmar Mendes…

Recentemente, desta sorte, foi acrescentado o Art. 394-A ao Código de Processo Penal, o qual estipula tratamento prioritário ao andamento dos crimes dessa natureza.

Pelo princípio da aplicação imediata, tempus regit actum (o tempo rege o ato), o artigo será aplicado de imediato, em atos, ainda não iniciados, art. 2° CPP.

Extrai-se da inteligência do artigo mencionado: “Os processos que apurem a prática de crime hediondo terão prioridade de tramitação em todas as instâncias”.

Nota-se, portanto, por atecnia ou esquecimento, não foi mencionado, pelo novel artigo, os crimes equiparados aos hediondos.

Dessarte, no nosso entendimento, por se tratar de norma formal (processual) poderá ser usada a analogia, abrangendo, desse modo, os crimes equiparados aos hediondos. Analogia, desta feita, é um método de integração, destinado a identificar casos implicitamente previstos no preceito normativo.

Não há, assim, de se falar em analogia in malam partem, pois não dispensa direitos, – queremos acreditar nisso -, apenas visa dar celeridade àqueles crimes tidos como graves.

Essa prioridade, para nós, é mais um caso de processo penal simbólico. Aja vista, o devido processo legal servir à apuração do crime com responsabilidade e não apenas com viés condenatório.

A corroborar com o exposto acima, Luiz Flávio Gomes “função simbólica é o efeito psicológico que a proibição gera na mente dos políticos, do legislador e dos leitores (autocomplacência e satisfação nos primeiros; confiança e tranquilidade momentânea nos últimos). É mera política de gestos diante da coletividade e da opinião pública”².

A consequência disso, como se extrai da própria lei dos crimes hediondos, é que não houve redução de nenhum dos crimes ali inseridos, ao contrário, houve expressivo aumento.

Como explicar esse fenômeno? A resposta foi concedida por Beccaria, em 1764, o qual deplorava a severidade do castigo e defendia, veementemente, que só a certeza do castigo poderia diminuir a criminalidade. Afinal, não adianta leis rígidas se tampouco conseguem punir quem os comete.

Outrossim, quando se analisa os motivos que levam o legislador a inserir esse tipo de dispositivo ao ordenamento jurídico, não há como afastar-se do direito penal do inimigo, encampado pelo prof. alemão Günter Jakobs, onde, para ele, quem delinque perde a qualidade de pessoa, podendo o Estado, contra o delinquente, extirpar seus direitos, pois esse não quis viver sob a égide do Pacto Social.

Concordamos com Gabriel Habib “ao inimigo é aplicado um direito penal de exceção, inspirado na lógica da guerra, com a imposição de medidas extraordinárias incompatíveis com o regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, o que fica claro nas palavras de Jakobs quando afirma que frente ao inimigo é só coação física até chegar à guerra” ³.

Demais disso, não podemos permitir as conquistas alcançadas, tais como, ampla defesa, contraditório etc, sejam enxugadas, porquanto cada vez mais procura-se condenação a todo custo, relativizando direitos e garantias constitucionais.

Hodiernamente, como nos sábios dizeres de Radbruch, muito mais que lutar por um direito penal melhor, temos nós que imaginar algo melhor que o direito penal.

1 – MENDES, Gilmar. Direito constitucional.

2- GOMES, Luiz Flávio. Curso de direito penal. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 45.

3 – HABIB, Gabriel. O direito penal do inimigo e a lei de crimes hediondos. Niterói, RJ: Impetus, 2016, p. 08.

*Rogério Leal e Alan Kardec Cabral Júnior são advogados do escritório Rogério Leal e Advogados Associados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *