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A psicografia como meio de prova judicial utilizada em casos concretos

A psicografia como meio de prova judicial utilizada em casos concretos

A psicografia como meio de prova judicial utilizada em casos concretos

Psicografia utilizada em casos concretos

O primeiro caso de que se tem notícia no Brasil, ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1944, no âmbito Cível. As partes envolvidas na Ação Declaratória eram: a viúva e os três filhos do escritor, Humberto de Campos, contra a Federação Espírita Brasileira e o médium, Chico Xavier. Requerendo, como titulares dos direitos autorais das obras do escritor, explicações, uma vez que tais livros encontravam-se expostos nas prateleiras das livrarias, sem que estes tivessem autorizado ou recebido qualquer valor por eles (TIMPONI, 1945). Neste caso o juiz concluiu que não havia interesse legítimo, julgando a suplicante carecedora da ação proposta. Desta sentença houve recurso, porém esta foi confirmada pelo Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal, em 03 de novembro de 1944.

No âmbito Penal, quatro são os casos, já julgados, que geraram grande repercussão social e mundial, em que a Justiça aceitou as cartas psicografadas, como meio de prova. São casos de julgamentos históricos, em que cartas “sobrenaturais” foram utilizadas a fim de absolver réus de crime de homicídio (Linha Direta Justiça, 2006). Antes, porém, cabe esclarecer que estas cartas foram psicografadas por “Chico Xavier”, médium respeitado mundialmente e precursor da Religião Espírita no Brasil. Destes, dois ocorreram no Estado de Goiás, em 1976, e ambos foram submetidos em momentos diversos, ao Juiz de Direito, Doutor Orimar de Bastos.

No primeiro processo o réu, João B. França, foi absolvido, a decisão se deu pela impronúncia por falta de dolo, bem como quaisquer elementos da culpa, por entender que se tratava de uma fatalidade, um acidente. O réu nem chegou a julgamento popular.

No segundo caso, o réu, José Divino Nunes, foi absolvido pelo Tribunal do Júri, por seis votos a um. Houve recurso de apelação por parte da promotoria. O Tribunal negou provimento à apelação e confirmou por unanimidade a decisão do júri popular, absolvendo o réu.

O terceiro caso se deu em 1980, no estado do Mato Grosso do Sul, o réu, João Francisco M. De Deus foi condenado inicialmente, por homicídio doloso e os autos foram remetidos ao Tribunal do Júri, em março de 1982. O réu então foi absolvido por unanimidade. Houve recurso de apelação. Submetido a novo Júri, foi condenado a um ano e meio de detenção, por homicídio culposo, porém o crime já estava prescrito.

O quarto caso se deu no estado do Paraná, em 1982, o réu, Aparecido Andrade Branco, foi considerado culpado pelo Tribunal do Júri, por cinco votos a dois e condenado a oito anos e vinte dias de reclusão. (Linha Direta Justiça 2006).

Em maio de 2006, a imprensa divulgou um novo caso, ainda em trâmite, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Folha On Line, 2006). O crime se deu em 2003, a ré, Iara M. Barcelos foi inocentada, por cinco votos a dois, da acusação de mandante do crime de homicídio. Foram utilizadas pela defesa duas cartas psicografadas pelo médium Jorge J. Santa Maria, ou seja, sem o respaldo da figura de Chico Xavier. Houve recurso de apelação. A decisão do Tribunal se deu por maioria, dando provimento ao apelo do Ministério Público para declarar a nulidade do julgamento, pela ocorrência de nulidade absoluta, com fundamento no art. 564, inc. II, do CPP. Consistente no fato de que um dos integrantes do Conselho de Sentença mantém estreita relação profissional com um dos defensores que atuaram em plenário. O caso está em trâmite.

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A Constituição da República, em seu art. , LVI, veda a produção de provas ilícitas, dispondo que: “são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Estas provas violam o direito material, assim como, veda as provas ilegítimas, que violam o direito processual, e ainda as provas ilegais, oriundas das ilícitas ou das ilegítimas.

O Código de Processo Civil, em seu art. 332 dispõe que: “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

Prova documental, em sentido amplo, é meio de prova pelo qual se chega à verdade dos fatos litigiosos mediante a presença nos autos de uma coisa capaz de representar um ato (um papel escrito, um desenho, um quadro, uma foto, um filme, uma fita, etc.). Em sentido restrito, prova documental é aquela extraída de papéis que fixam materialmente (fisicamente) um ato ou fato jurídico. Ainda hoje, a prova documental possui a condição de certa proeminência no processo civil, uma vez que certos fatos só por ela se provam (art. 366) e quanto aos demais a sua presença dispensa a prova testemunhal (art. 372 e 373) (MACHADO, 2004, p.497).

O Código de Processo Penal dispõe em seu art. 232, que: “Consideramse documentos, quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”.

A noção de documento deve ser a mais flexível possível, porque depende do conteúdo que se quer com ele demonstrar. Daí dispor o art. 232 que se consideram documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. Deve-se então entender como documento qualquer manifestação materializada, por meio de grafia, de símbolos, de desenhos, e, enfim, que seja uma forma ou expressão de linguagem ou de comunicação, em que seja possível a compreensão de seu conteúdo (OLIVEIRA, 2005, p. 341).

A psicografia não seria um meio de prova ilícito, ilegal, tampouco ilegítimo, portanto não sofreria vedação constitucional. Também, não é meio de prova especificado nos Códigos, podendo ser considerada prova inominada, porém, por suas características, a carta psicografada, por analogia, pode ser equiparada a prova documental, um documento particular, pois como já foi dito anteriormente, estas são produzidas pela transmissão do pensamento dos Espíritos por meio da escrita, pela mão do médium.

Nosso ordenamento adota o sistema de provas exemplificativas quais sejam: as provas nominadas (previstas expressamente em lei) e as inominadas (possíveis, porém não previstas) (ARANHA, 1987).

Registre-se que a jurisprudência tem admitido certas provas novas e inominadas (como o frenoscópio), porém, negando valor absoluto em razão da inexistência de uma certeza científica e não pela falta de previsão legal. A título de ilustração: “Embora a ciência penal já esteja distanciada dos tempos das ordálias e dos juízos de Deus, encontra-se ainda mais longe da eficiência dos aparelhos perscruptadores do pensamento humano (frenoscópio ou psicógrafo), assim, é preferível absolver culpados, no caso de dúvidas irredutíveis à perspicácia comum, a condenar inocentes em nome de precária psicologia científica” (Ap. 157.375, TACCrimSP, Rel. Gonçalves Sobrinho). O julgado salientado admitiu um novo meio de prova, porém negou-lhe certeza científica (ARANHA, 1987, p. 34).

Num processo, seja de qual natureza for o que se busca é a verdade dos fatos, a verdade real, e para tanto, há que se admitirem diferentes meios de provas, hábeis a formar o convencimento do julgador e a psicografia vem sendo aceita como tal. As provas integram o processo e devem possuir credibilidade, que inclui não só o certo, mas também o provável e mesmo o improvável, pois o que parece improvável no mundo dos fatos é sempre crível no mundo dos espíritos. Ao se chegar à verdade real se supõe que o espírito humano tenha atingido a certeza, a credibilidade (MALATESTA, 2001).

Numa infinidade de casos, mesmo não podendo deixar de admitir a possibilidade de certas verdades reais, todavia, sem descobrir aquele perfil da realidade, o achamos inverossímil. Basta apelarmos à linguagem comum, mais exata, neste ponto, que a científica de alguns. É verossímil, para nós, não o que nos parece simplesmente possível, mas o que, por uma razão mais ou menos determinada, nós nos inclinamos a julgar real. Por isso, indicamos com a verossimilhança o primeiro grau da probabilidade; verossímil, provável e probabilíssimo. (MALATESTA, 2001, p.71).

Posição dos operadores do Direito e dos espíritas

Thales Tácito de Pádua Cerqueira (CERQUEIRA, 2006). Promotor de Justiça: fez um estudo acerca do tema, do qual destacamos alguns trechos, a seguir:

O certo é que se não há comunhão entre a fé religiosa e o conhecimento científico, não se pode, por isto, impedir que cartas psicografadas sejam juntadas nos autos, com o sofisma de que isto “seria retrocesso histórico”, comparando o AMOR do espiritismo com a Inquisição. Ninguém no espiritismo prega guerra e sim AMOR. Assim sendo, podemos afirmar, até que se prove o contrário, pois o ônus da prova compete a quem acusa, sei disto, pois sou Promotor de Justiça, que as cartas psicografadas são prova lícita, que podem ser perfeitamente questionáveis por exame grafotécnico do falecido que psicografa e outros elementos de prova (testemunhas que conviveram com o mesmo, estilo de redação, família que ateste etc).

Renato Marcão. Promotor Público em São Paulo; Mestre em Direito Penal, Político e Econômico; membro da Association Internationale de Droit Penal, concluiu que:

No sistema jurídico brasileiro não há como normatizar o uso do documento psicografado como meio de prova; seja para permitir ou proibir. O Estado é laico. De prova ilícita não se trata. Como prova documental, a credibilidade de seu conteúdo, em razão da fonte, não pode ser infirmada com absoluta certeza, tanto quanto não poderá ser fielmente confirmada, não obstante a existência de relatos a respeito de autorias atestadas por grafologistas (MAIA, 2006, p.27).

Lúcio S. De Constantino. Advogado da ré Iara Marques Barcelos, no Rio Grande do Sul:

O advogado diz ter estudado a teoria espírita para a defesa, (ele não professa a religião), define as cartas como “ponto de desequilíbrio do julgamento”, atribuindo a elas valor fundamental para a absolvição (Folha On Line, 2006). E ainda acredita que: “a carta é um meio de prova como outro qualquer, possui força probatória relativa, razão pela qual deve se harmonizar com outras demonstrações para firmar força”, conforme declarou ao nos conceder entrevista.

Ricardo Spinelli Pinto. Advogado, professor das Faculdades Integradas Vianna Junior e espírita. Em entrevista a nós concedida, declara que manifestações mediúnicas principalmente através da psicografia de médiuns idôneos e comprometidos com a verdade devam ser utilizadas no direito.

Maria Cecília Gollner Stephan. Juíza de Direito da Vara da Infância e Juventude de Juiz de Fora – MG. A magistrada também nos concedeu entrevista e declarou que acredita que a carta psicografada pode ser considerada prova documental. Quanto à valoração desta prova entende que deva ser considerado primeiro quem é o espírito e depois quem está copiando.

Luiz Guilherme Marques. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG. Escreveu um artigo acerca do tema discutido, a fim de nos fornecer mais subsídios para complementar esta pesquisa, do qual destacamos o seguinte trecho:

Pretendo abordar o tema, não como adepto da Doutrina Espírita (que o sou), mas como operador do Direito que tem o dever de pensar na Ciência Jurídica como forma de realização da Justiça e, principalmente, contribuição para a felicidade humana dentro de uma sociedade cada vez mais fraterna.

A carta psicografada, apesar de já ter sido aceita, no mundo jurídico como meio de prova judicial, ainda que subsidiariamente, ou seja, em consonância com as demais provas e evidências que permeavam o processo, deverá enfrentar inúmeras dificuldades para ser reconhecida como um novo meio de prova reconhecido pelo ordenamento jurídico.

Tal prova, ainda que comprovada sua veracidade através de laudos técnicos, de peritos idôneos, possui um caráter religioso, e nosso Estado é laico, o cidadão é livre para escolher sua religião, este direito é assegurado constitucionalmente, no art. , VI, CR/88. Por outro lado, não admitir a carta psicografada pode também, ferir a liberdade daqueles que crêem na religião espírita, pois é proibida a privação de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica.

(…)

O Direito pátrio terá de lidar com mais este meio de prova, pois as cartas psicografadas existem, portanto, não podem ser ignoradas e como já foi demonstrado instruiu e ainda instrui processos, como tal.

A fé é subjetiva, relacionar religião com Direito, seria querer misturar a água e o óleo, o material e o espiritual. A polêmica deve continuar.

Porém, já dizia William Shakespeare: “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.


Texto extraído da revista Vianna Sapiens, v. 1, nº. 1, p. 79-87. Juiz de Fora, 2010. Issn 2177-3726.

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